Militantes da universidade na época da ditadura são referências para o atual movimento estudantil
Por Pedro Xavier e Isabelle Areas

Mário de Souza Prata morreu em 1971, assassinado em um confronto armado, mas sua luta continua sendo uma referência para muitos militantes. Foi durante a graduação de Engenharia na UFRJ que iniciou seu ativismo político no movimento estudantil, quando ocupou o cargo de presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Assim como outros estudantes e professores envolvidos na luta contra a ditadura, ele foi perseguido e executado por oficiais militares que serviam ao regime.
60 anos após o golpe civil-militar de 1964, Matheus Monteiro, aluno de Engenharia Ambiental da UFRJ, faz parte do DCE Mário Prata, cujo nome é uma homenagem ao patrono do Diretório: Mário de Souza Prata. Embora haja paralelos entre os dois estudantes, o contexto político no qual vivem é diferente. Mesmo assim, ambos têm uma reivindicação em comum: a defesa da Democracia e da Educação, que seguem ameaçadas, mesmo com o fim da ditadura.
Os membros do DCE entendem a importância de seguir os passos de quem deu a vida por um futuro no qual a luta fosse mais justa. Matheus defende que “a UFRJ sempre foi um polo de luta estudantil aqui no Rio de Janeiro, por isso é importante mantermos essa memória ativa, estudantes como Mário Prata batalharam ativamente contra a ditadura”.

O movimento estudantil foi muito importante na luta contra a ditadura. Estudantes da UFRJ participaram de forma ativa no combate ao autoritarismo, o que fez com que muitos deles fossem perseguidos e punidos pelo Estado, que também foi responsável pelo desaparecimento e até pela morte de alguns alunos.
Os Atos Institucionais eram normas elaboradas durante a ditadura militar, editadas pelos comandantes das Forças Armadas, com apoio do Conselho de Segurança Nacional. O quinto desses dezessete decretos foi o AI-5, criado em 1968 como uma resposta às manifestações contra a ditadura organizadas pelo movimento estudantil. Ele deu legitimidade jurídica ao autoritarismo e promoveu a censura e a tortura como práticas do regime. Tais medidas foram estabelecidas para conter o avanço de grupos militantes e possibilitar o silenciamento e a repressão de seus protestos.
Além disso, aqueles que eram contra a ditadura também tinham dificuldade em protestar dentro da UFRJ. Isso porque houve professores que colaboraram e apoiaram o regime ditatorial por meio da perseguição de alunos e docentes ativistas, muitas vezes provocando suas expulsões, inclusive. A exemplo de Eremildo Luiz Vianna, ex-diretor da Faculdade Nacional de Filosofia e do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, responsável por enviar o relatório intitulado “Professores comunistas da Faculdade Nacional de Filosofia” e fazer 44 denúncias de docentes “subversivos” da Universidade do Brasil, atual UFRJ. Muitos dos alunos expulsos e dos professores cassados não conseguiram retornar à universidade. Nesse cenário, a ADUFRJ (Associação dos Docentes da UFRJ) foi uma das maiores aliadas na luta pelo reingresso desses grupos.
O Departamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna foi uma agência de repressão política que servia ao Exército. Seu principal objetivo era extrair informações dos prisioneiros que pudessem enfraquecer os movimentos aos quais pertenciam, além de eliminar líderes e colaboradores da oposição. Nesse local, muitos estudantes e professores da UFRJ foram presos por ordens de prisão preventiva, onde foram torturados e executados por serem “inimigos do Estado”.


As narrativas sobre a relação entre a Ditadura e a UFRJ estão sempre em disputa. Por isso, com o fim do regime, a Universidade assumiu a adoção de políticas de reparação aos atingidos pelo poder ditatorial, bem como de preservação da memória desse período na universidade. Essas ações são sustentadas por uma “vontade de memória”, ou seja, um desejo da comunidade acadêmica de preservar o passado da UFRJ e sua relação com o regime ditatorial. Nesse contexto, organizações como a Divisão de Memória Institucional da UFRJ (DMI) e a Comissão da Memória e Verdade da UFRJ (CMV) foram criadas para pesquisar e divulgar informações sobre a memória da ditadura na universidade.
Luciana Lombardo trabalhou com pesquisa e divulgação na CMV. Ela destaca que “o financiamento para essa agenda é muito escasso, o que representa um desafio para manter as atividades”. Apesar dessas dificuldades, Luciana reconhece a importância do material já produzido pela comissão: “A sociedade brasileira é muito carente de repertórios sobre esse tema, mas é possível ampliar isso e trazer à tona grupos invisibilizados, memórias subterrâneas, com a criação de conteúdo informativo. A chama da memória precisa estar viva, se não ela vira cinzas, o debate sobre esse assunto deve ser recorrente para que a comunidade acadêmica saiba o que aconteceu com a universidade na ditadura”. A pesquisadora também reforça que “o debate político sobre esse período ganha terreno pela desinformação, por isso, conectar os problemas da época ditatorial com questões da atualidade pode ser uma forma de despertar o interesse dos jovens e criar empatia entre as gerações”.
A diretora da Divisão de Memória Interna da UFRJ, Andréa Queiroz, também chama atenção para os desafios de trabalhar com memória na universidade: “Com os cortes de verba, passamos por uma reestruturação das bolsas, o que não impediu nossa produção, mas, como eu era a única historiadora, sentia muito a necessidade de uma equipe interdisciplinar de bolsistas. Fizemos levantamentos e trabalhos de história oral, também queríamos mapear trajetórias dos professores cassados, pois havia poucos documentos sobre como a vida desse grupo foi impactada e influenciou na memória da UFRJ.” Além disso, Andréa ressalta que “a universidade não é homogênea, há uma ideia errada de que a UFRJ é uma unidade progressista, mas um dos objetivos da divisão é mostrar a diversidade da instituição, há resistência e conservadorismo. Acredito que falte uma política de memória nas instâncias superiores, embora alguns reitores tenham tido uma vontade de memória, não houve o estabelecimento de uma política institucional da reitoria que independe da gestão”, complementa a diretora.


Embora façam 60 anos desde o Golpe Civil-Militar de 1964, é possível identificar semelhanças da atualidade com o período ditatorial. Por isso, a ditadura no Brasil é um “passado atual” e se informar sobre esse período histórico pode facilitar a compreensão sobre o presente e as questões que o atravessam.
A memória da luta estudantil na UFRJ também permanece viva. Mesmo com a perda de muitos nomes, as ações dos militantes que saíram em defesa da universidade deixaram suas marcas no presente. Ainda que a repressão não seja mais tão intensa como antes, atividades políticas organizadas por universitários ainda são invalidadas e diminuídas. Por isso, o movimento estudantil da UFRJ reivindica que seus direitos sejam garantidos e que o ambiente democrático seja fortalecido no ensino superior.

Comments