Acesso gratuito à arte influencia a vida dos moradores do Vidigal

O barulho do subir e do descer dos mototáxis nas ruas do Vidigal já se tornou padrão para os moradores da famosa comunidade. Entre o ruído das motos, salões de beleza, lanchonetes, mercados e muitas casas, encontra-se um portão com a palavra “garagem” escrita a giz branco com letras garrafais e o desenho das máscaras teatrais da comédia e da tragédia. O símbolo que ali naquele casarão qualquer pessoa pode se encontrar com a arte, o teatro na sua mais pura essência. É nessa casa que nasce o foco principal desta matéria: o Grupo de Teatro Nós do Morro.
O projeto nasceu em 1986, tendo como fundador Guti Fraga, ator, preparador de elenco e diretor de teatro, que viu no Vidigal um potencial artístico que ninguém tinha visto antes. “O Vidigal tem esse perfil mais artístico, sempre teve movimentos. Inicialmente, a ideia era produzir espetáculos que o tema fosse em locais nos quais a comunidade se identificasse e a partir daí criar esse laço e a formação de plateia”, comenta Marcello a respeito da história do Nós do Morro. Ele também teve seu primeiro encontro com o teatro na famosa comunidade. “Eu vim para o Vidigal porque eu trabalhava na PUC e era mais perto, então teve um dia que um amigo me levou no Grupo e estava tendo ensaio de uma peça que seria um musical funk e eu fiquei fascinado. Comecei a fazer as aulas e eu era ruim, era muito ruim, nunca tinha tido algum tipo de experiência com o teatro, né. Com o tempo fui criando mais experiência e hoje sou ator e diretor do projeto”, comenta Marcello. Ele teve seu primeiro filho com apenas 16 anos e o Nós do Morro também o ajudou ao se tornar um local seguro e confortável para crianças. Seu filho, Marcello Melo Junior, hoje é ator, cantor e compositor formado também pelo Grupo e atua em muitas novelas e seriados da Globo. O projeto não só mudou a vida de Marcello, como também transformou a vida de seu filho, que vive da arte.
O Nós do Morro acabou se tornando refúgio para muitas pessoas. Pessoas que vinham de longe para realizar um sonho ou aquelas que encontraram no teatro uma forma de se expressar e amenizar os problemas do cotidiano. “Sou daqui da comunidade mesmo e fui fazer teatro só por fazer e não saí mais, estou aqui até hoje. Tenho uma enorme gratidão por essa casa porque eu acho que todo mundo deveria fazer arte, acho que todo mundo tem que ter acesso a esse lugar. Eu moro em um lugar pesado, perto de uma boca de fumo, então se não fosse pela arte, o que será que eu estaria fazendo? Não dá para saber”, relata Helio Rodrigues, ator e produtor do projeto. O Grupo tem essa potência na vida dos moradores da comunidade por tornar acessível a arte, uma ferramenta que muitas vezes não chega até eles. “Falta investimento, principalmente nas favelas, nos lugares periféricos, onde não têm acesso. Falta conscientização. A arte é a minha essência, tudo o que eu penso é por um olhar artístico. Arte sou eu, é a minha vida”, relata o produtor.
A Petrobrás investiu no projeto de 2001 a 2011 e foi o auge do Grupo, incluindo aulas de teatro, música e capoeira. Hoje, sem grande investimento de alguma empresa, o Nós do Morro se mantém de pé há 38 anos e continua sendo um projeto de acessibilidade à arte e ao teatro de forma totalmente gratuita. Também conta com o apoio dos próprios professores e diretores, além de editais pela internet. “Essa possibilidade de, por 38 anos, fazer o papel do Estado dentro da comunidade é linda e difícil ao mesmo tempo, porque quando você fala de esporte já tem mais ou menos um caminho, tem as pessoas direcionadas, mas quando é a arte é muito subjetivo”, diz Marcello.
Durante muito tempo o Grupo de Teatro atendia somente os moradores do Vidigal, mas com a entrada da Petrobrás e, consequentemente, de mais investimento, a demanda de alunos ficou cada vez maior e com capacidade estrutural para atender a essa procura, abrindo as vagas de alunos para todos. Alunos de outros estados passaram a morar na comunidade, interessados em compor as 18 turmas. Segundo os líderes do projeto, o boom foi motivado, principalmente, pelo sucesso do filme Cidade de Deus. “A maioria de nós trabalhou com papéis importantes no filme. Então na época a gente começou a abrir para todo mundo e é assim até hoje, mas às vezes a gente não consegue incluir quem mora muito longe porque não vão conseguir dar continuidade nas aulas. É uma pena, mas não conseguem e acabam saindo. A renda é relevante sim, mas a seleção hoje em dia é muito mais pela possibilidade de conseguir ir às aulas do que a renda em si. A proposta principal do projeto é conseguir dar acesso a quem não tem”, relata o diretor do Grupo.
O Grupo de Teatro Nós do Morro é um projeto que vive há 38 anos e nasceu pela comunidade e para a comunidade, por tornar acessível a arte para aqueles que não têm acesso e que não têm visibilidade pelo Estado. “O Nós do Morro vive com a realidade diária e isso não é fácil. Hoje nós abrimos dentro do Vidigal uma fusão sociocultural, porque é importante ter jovens de outras comunidades que não têm essa chance e encontram aqui no Vidigal uma oportunidade digna. É um grupo de teatro onde a base é o coletivo, ideia multiplicadora. O teatro te liberta, te dá viagens e oportunidades inimagináveis. Meu sonho é atingir essas pessoas que também sonham, o que me fortalece é a paixão, quando eu percebo essas crianças acreditando que a vida levada através da arte é mais bonita de ser vivida, é mais firme”, relata Guti Fraga, ator e fundador do Grupo Nós do Morro.
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