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Uma pirâmide amarela no meio do Rio de Janeiro

Foto do escritor: Revista PalácioRevista Palácio

A construção abandonada da misteriosa Fraternidade Fiat Lux é marcada pelos conflitos no bairro de Água Santa

Por Carina Agostinho


Foto: Ilustração Pedro Flores

O passageiro ou motorista que direcionar o olhar para o morro encontrará uma peculiar pirâmide amarela coberta de musgo no Rio de Janeiro, na Linha Amarela, depois da praça do pedágio e antes do túnel. Se prestar atenção, perceberá que a construção exótica também tem janelas em formato triangular e uma pira apagada no topo, além de parecer virtualmente inacessível. Para os moradores da Fazendinha, comunidade pertencente ao Complexo do 18, a misteriosa pirâmide é velha conhecida: é um centro religioso da Fraternidade Fiat Lux, associação mística espiritualista eclética baseada na Antiga Ordem Fraternal Mantos Amarelos do Oriente.


A Fraternidade Fiat Lux é uma coletânea de estranhezas. No Google, as informações são escassas e o site oficial foi atualizado pela última vez em 2009. Segundo ele, a pirâmide exerce papel importante para a associação: foi construída para ser “um gerador de energia para toda a humanidade e um centro de atividades para iniciação”.


Para conhecer a pirâmide, a Fraternidade solicita que os “luxianos”, como se chamam os seguidores da associação, se vistam de maneira específica para garantir o equilíbrio energético: “Deve estar orientado para ir à Fiat Lux não vestido com roupas nas cores preto, cinza-escuro, castanho ou vermelho”. Além de atividades espirituais e filantrópicas, o site também menciona o “Instituto Alfa de Psicotrônica”, que funcionaria no mesmo lugar da pirâmide e seria responsável por oferecer palestras e cursos sobre a ciência espiritual. Os cursos eram ministrados por Papalus, brasileiro, presidente da Fraternidade e pesquisador em Parapsicologia e Psicotrônica. Além da sede no Brasil, a Fraternidade também afirmava ter sedes em Portugal e Luxemburgo.


Segundo a secretaria da Fraternidade Fiat Lux, conhecer a pirâmide — única sede no Brasil — é impossível: José Paiva, a quem os e-mails enviados para o endereço oficial da secretaria são encaminhados, informou que “o Templo e Pirâmide estão fechados, porque os responsáveis encontram-se na sede em Lisboa”. Solicitações de entrevistas subsequentes foram ignoradas, assim como e-mails enviados para outros membros da Fraternidade. 


Foto: Carina Agostinho

A trilha para a pirâmide


O caminho para conhecer a pirâmide, então, tinha de ser outro. No Facebook, uma página de uma iniciativa de turismo comunitário em Água Santa promete um roteiro para conhecer a Pirâmide Fiat Lux por apenas 25 reais. Lucas Prattes, graduando em Pedagogia e morador do Complexo do 18, é um dos fundadores do grupo Trilhando no 18. O ponto de encontro para o início da trilha fica em uma padaria ao lado do Presídio de Água Santa, que, em 2011, foi condenado pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU por ter celas subterrâneas sem ventilação.


Na porta do estabelecimento, Lucas recepciona os curiosos que escolheram participar do passeio. “Essa trilha é muito tranquila”, comenta. Ele diz já ter feito a mesma expedição em outras ocasiões. “A pirâmide foi construída em 1904”, explica. No entanto, segundo o site oficial, a Fraternidade só foi criada em 1975, no Leblon, por um grupo de médiuns. Além disso, um texto assinado por Papalus e co-assinado pelo espírito do Irmão Domênico de Roma em 2008 afirma que a pirâmide foi construída há mais de duas décadas — o que seria mais ou menos entre 1970 e 1990. 


Lorena Novais, outra guia, se junta ao grupo na comunidade da Fazendinha. 


Pouco depois, reunido com Lorena, licencianda em História, Lucas e Lorena me levam até a entrada da Fraternidade — identificada por uma placa amarela —, um portão trancado com correntes enferrujadas. Depois do portão, uma escada imensa e estreita leva, de fato, até a pirâmide. Ao lado da entrada, uma casa enorme, que supostamente pertencia a um membro da associação, está abandonada. No entanto, o azar impede que os guias continuem o passeio pela rota normal: o caseiro responsável pela manutenção da pirâmide desde que os donos foram para Portugal não atende ao telefone nem ouve os chamados no portão. A solução é, então, seguir pelo morro da Fazendinha.


Apesar de Lucas e Lorena afirmarem que é fácil chegar na Fraternidade pelo morro, o caminho parece quase impossível. Depois de passar por homens fortemente armados — a comunidade é atualmente dominada pelo Comando Vermelho —, o turista deve subir uma trilha de terra sobre pedras e pedaços de madeira instáveis. Chega, então, a um mirante, de onde pode ver todo o Complexo do 18 e boa parte da Zona Norte. A rota segue por entre as casas, ainda no morro — e é aqui que começa o problema para os dois guias. “É logo ali!” aponta Lucas, referindo-se a um corredor entre duas casas. No final do corredor, um muro cinza impede o acesso à pirâmide. 


Enquanto Lorena e Lucas encaram o muro e parecem tentar decidir outra opção de trilha, o morador de uma das casas desce ao nível dos guias, acompanhado de um cachorro marrom, vira-lata, e pergunta: “Bom dia. O que vocês estão fazendo aqui? Esse é o meu quintal”. Eles tentam se justificar, mas o “guiamento turístico comunitário” não funciona para o proprietário do terreno. É uma invasão de propriedade. O dono da casa, que optou por não se identificar, pede que os guias se retirem — e a trilha parece ter acabado.


De volta ao pé do morro, Lucas e Lorena guiam o grupo até o antigo Várzea Country Club, que passa por uma reforma. Sentados em um banco, ele fala sobre a pirâmide: “A Fraternidade parou de funcionar ali nesse período conflitante aqui da região, na época da pandemia”, explica Lucas, referindo-se às três mudanças de comando entre facções no Complexo do 18. “As pessoas que administravam e que frequentavam eram pessoas muito idosas”. Além das funções espirituais, ele conta que a Fraternidade realizava ações sociais no morro. Sobre a doutrina espiritual, Lucas alega que “só participando. Eles não colocam no site”. Na falta da visita ao interior da estranha construção triangular, Lorena me passa o telefone do caseiro e promete enviar fotos de excursões passadas, onde é possível “ver como ela é por dentro”. As fotos nunca apareceram.



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